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domingo, 12 de setembro de 2010

QUANDO A ARTE E COMPORTAMENTO SE MISTURAM

A arte sempre esteve ligada aos movimentos estéticos, sociais e políticos, sobretudo como canal condutor de vários questionamentos da sociedade e da produção cultural onde está inserida. A originalidade estética muitas vezes conceitualizada por ela atravessa, de certa forma, discursos, manifestações éticas, convicções, analogias comportamentais e/ou parâmetros de consumo. Seria a arte um canal de consumo estético? Os espaços ditos artísticos gerariam expectativas de compra? Até que ponto universos alternativos poderiam instigar o espectador a consumir?
Para o consumo de arte, é necessário evidenciar a compra por caráter meramente sugestionado por moda, por admiração ao trabalho, ao artista, por sugestão da mídia, por subjetividade, por estilo de vida e por necessidades meramente circunstanciais. Museus e galerias proliferam-se mundo afora, porém novos questionamentos dos objetivos culturais destes espaços, e seus alcances de marketing e manifestação social, afirmam a necessidade de aproximação do público. Não que se faça uma liquidação de obras de arte; basta dizer que isso existe. Mas é evidente a necessidade dos espaços ditos artísticos do país se adequarem às exigências do público e suas movimentações comportamentais. Afinal de contas quem não gosta de ir a uma exposição como se estivesse freqüentando uma festa?
Minha experiência em viagens pelo Brasil e ao exterior demonstraram uma transformação na forma de revelar o trabalho de arte. Não falo aqui da leitura formal de apresentação, iluminação, conceito etc, mas sim simplesmente da maneira de receber o espectador, ou melhor, os convidados da festa. Sim, aqui e no mundo se fala em exposição como festa. Em Los Angeles, por exemplo, é possível encontrar referências às exposições não somente nas páginas de assuntos culturais dos jornais, mas, também, no panorama da internet. Lá, há vários artistas que se reúnem para alugar espaços e montarem suas próprias exposições. Outra alternativa é abrir as suas próprias casas para mostrarem seus trabalhos, sempre com agendamento e limite de convidados. E quando o público chega ao espaço, encontra sempre uma hostees com lista de convidados na entrada. Dentro das casas e lofts, há um fundo musical lounge, ou vertentes da música eletrônica, também um pequeno bar com atendentes, onde é possível comprar uma taça de vinho ou uma cerveja.
Os espaços de museus em Los Angeles, Washington e Chicago também percorrem esta linha de comportamento: abrem suas portas e recebem seus convidados com ingressos diferenciados entre associados, estudantes e visitantes. Há sempre um bar montado estrategicamente para compra de uma bebida, e também um canapé ou uma mesa com pequenas iguarias para o público beliscar. Nas poucas vezes em que isto não acontece, o público recebe uma taça de vinho oferecida por cortesia. Os eventos geralmente contam com a participação de djs convidados e há um tempo limite para venda das bebidas. Tudo realizado de maneira organizada e educada, atraindo um público de pessoas interessadas em comprar, investigar movimentos e/ou simplesmente badalar e conhecer pessoas.
Existe hoje em São Paulo um movimento parecido: galerias como Emma Thomas e a Vermelho misturam arte e festa em busca de uma nova classe de colecionadores. Estes dois espaços, entre outros, começaram a despertar para o que já ocorre lá fora, formando aqui no país um público diferenciado, híbrido e cheio de misturas, composto agora por socialites, artistas e curiosos, mais atraídos pela festa do que pela arte. A vernissage, então, começa a adquirir um discurso de balada. E a volta das performances reafirmam também a notoriedade dos djs, tão presentes no mundo contemporâneo. Sempre houve a inquietação de sair do "vernissage" e dar uma esticadinha em algum outro point. Embora o público mais erudito tenha dificuldade para assimilar o novo formato, aos poucos esta transformação se evidencia de forma coerente. Na contramão está a Galeria Fortes Vilaça, também em São Paulo, que transferiu seus eventos noturnos para as tardes de sábado.
Aqui em Santa Catarina, pouco se tem feito nesse sentido. E, mesmo com todas as dificuldades de acesso, há um público que precisa urgentemente de uma identificação com o mundo da arte. Somos um Estado de ampla colonização européia, porém ainda muito longe de efetivar este relacionamento com  a cultura internacional.  Pelo contrário: o que podemos observar é uma falta de cumplicidade entre instituições governamentais e classe artística. Tenho convivido e experimentado alguns projetos com outros artistas e percebo que aos poucos caminhamos para isso. Em Florianópolis, há artistas muito conscientes da necessidade de construir seu próprio movimento; já não dá para ficar esperando o interesse das instituições governamentais e seus espaços de arte. Ainda sobra uma pergunta, no entanto: onde estão os profissionais que poderiam fazer algo para que isso acontecesse com mais freqüência? Os incentivadores destes mecanismos não seriam também os meios de comunicação? O que sinto é a falta de pessoas comprometidas em transformar o panorama. Faltam curadores que evidenciem o que está sendo produzido de significativo atualmente nas artes no Estado. A arte produzida aqui,  não pode só se circunstanciar na cultura imposta pelo governo. Há necessidade de outros movimentos. O Brasil, não é só São Paulo. É Santa Catarina também, como pedacinho do mundo. (* Parte do  texto escrito por mim em 2006 e publicado no Caderno Anexo do antigo jornal  AN Capital em Florianópolis)

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