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quinta-feira, 31 de março de 2011

AS MUSAS DO CINEMA NOVO - VINTAGE RECORDAÇÃO


Não sou muito de ficar enaltecendo o passado, mas lembro de minha infância nos anos 60 na casa de meus pais, onde ficava bisbilhotando  revistas e as conversas que circulavam  entre eles e meu tios. Eles sempre falavam sobre a geração de novas estrelas do cinema brasileiro. 
Era  uma época de ditadura militar e da televisão em preto e branco. 
Lembro que era a época do ''nescafé'' acondicionado em latas. Tinha um tio que era representante comercial da marca e lá em casa sempre tinha estoque deste café.   A  gente tinha um televisor com design pé palito e a marca era ''ABC", tinha um canarinho desenhado com a logomarca e um slogan que dizia '''ABC-a voz de ouro''.
Eu sempre fui curioso desde pequeno , ficava observando a conversa entre meus pais e meus tios  e querendo saber mais dessas misteriosas atrizes, as quais  os  adultos tanto falavam.
Estes dias entrei em diversos blogs para fazer uma pesquisa sobre algumas divas do cinema e achei bacana postar este lado ''vintage'' brasileiro,  pois como dizem, vivemos em um país sem memória.
Foram   tres belezas lendárias,  tres símbolos sexuais e tres atrizes associadas ao Cinema Novo e à irreverência em uma época remota neste país.
Carismáticas essas belas atrizes  impressionavam não pela qualidade dramática, mas rasgavam o coração das pessoas  e trabalhavam incansávelmente. Angustiadas, insatisfeitas e libertárias, forjaram existências no livre-arbítrio de costumes e na exuberância erótica, em plena ditadura militar.
Fascinantes e contraditórias, assim LEILA DINIZ, DARLENE GLÓRIA e ODETE LARA marcaram a história do cinema brasileiro, embora não tenham suportado o peso da fama. Consumidas pelo êxito, repudiaram o cinema e as badalações, em busca de algum júbilo. Suas biografias foram contadas inúmeras vezes e nem sempre com justiça. Sempre há controvérsias biográficas.
Defensora do amor livre e do prazer sexual, a carismática fluminense LEILA DINIZ (1945-1972), mais personalidade que própriamente atriz, é a nossa Brigitte Bardot. Representa ainda hoje o espírito inquieto dos anos 60. Ousadia esta, afirmada em 1969 no jornal “O Pasquim”, numa sincera entrevista que causou grande furor. Na ocasião, separada de Domingos de Oliveira, vivia com o cineasta moçambicano Ruy Guerra, pai de sua filha Janaína. Leila falava de sua vida pessoal sem nenhum tipo de vergonha ou constrangimento, sendo perseguida pela polícia política. Alegando razões morais, a TV Globo não renovou o contrato da atriz. De acordo com o malvado recado de Janete Clair, não haveria papel de prostituta nas próximas telenovelas da emissora. Considerada uma mulher à frente de seu tempo, chocava o país inteiro ao proferir frases como: “Transo de manhã, de tarde e de noite” ou “Homem tem que ser durão”. Invejada e criticada pela sociedade machista, era malvista pela direita opressora, difamada pela esquerda e considerada vulgar pelas mulheres da época. Mesmo assim, foi a luta, colecionando êxitos no cinema, na televisão e no teatro. Atuou em mais de dez telenovelas, entre elas, “O Sheik de Agadir” (1966) e “E Nós, Aonde Vamos?” (1970). Atuou nas peças “O Preço de um Homem” (1962), direção de Ziembinski e “Tem Banana na Banda” (1970), um mega sucesso. No cinema, estreou aos 21 anos, em 1967, atuando em 15 filmes. Com um dos últimos, “Mãos Vazias” (1971), ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema da Austrália. Quando voltava da viagem australiana, onde estava divulgando esse filme delicado, seu avião explodiu na Índia, numa tragédia que sensibilizou o Brasil. Tinha 27 anos. Em 1987, a atriz  Louise Cardoso encarnou a musa na cinebiografia homônima dirigida por um amigo de Leila, Luiz Carlos Lacerda.

Ex-cantora de rádio e ex-atriz de circo, a capixaba DARLENE GLÓRIA levou às telas o vigor e a vivacidade da experiência como vedete de Teatro de Revista. Nascida em 1943, sua estréia no cinema aconteceu em 1964, em “Um Ramo para Luiza”, de J. B. Tanko. Atuou nos emblemáticos “São Paulo S. A.” (1965), de Luís Sérgio Person, e “Terra em Transe” (1967), de Glauber Rocha. Mas fez em maior número obras descartáveis, como “Os Homens Que Eu Tive” (1973), de Tereza Trautman, inspirado na vida de Leila Diniz e proibido durante muitos anos. Teve seu melhor momento com o autor Nelson Rodrigues, sendo a prostituta Geni de “Toda Nudez Será Castigada” (1973), do cineasta e diretor  Arnaldo Jabor, numa atuação visceral que lhe rendeu prêmios, entre eles o de Melhor Atriz no Festival de Berlim, no Festival de Gramado e a Coruja de Ouro. “O papel de Geni foi o primeiro que recebi, em toda a minha vida, à altura do meu talento. Só que, quando eu fui convidada, já estava morrendo. Estava mergulhada num mundo de drogas, vivia à base de cocaína, LSD, maconha e álcool, para escapar a frustração dos meus desencontros amorosos e fiz o filme com ódio, com muito ódio! Depois, quando o filme estreou e fez sucesso no mundo inteiro, já não tinha condições de reagir”, disse numa entrevista reveladora em 1991. Logo após o drama de época “Um Homem Célebre” (1974), passou por um período de depressão, tentou o suicídio e trocou o cinema pela religião evangélica, assumindo o nome de pastora Helena Brandão e mudando-se para Nova Iorque, onde fez vídeos religiosos. Voltou às telas em “Até que a Vida nos Separe” (1999), do publicitário José Zaragosa, e nas telenovelas “Carmen” (1987) de Glória Perez e “Araponga” (1999) de Dias Gomes, Ferreira Gullar e Lauro César Muniz. Darlene chegou a confessar que foi estuprada por vários homens quando ainda era menor de idade. Teve uma vida pessoal atribulada e casou-se duas vezes, uma delas com o policial da repressão Mariel Mariscot, acusado de pertencer ao Esquadrão da Morte (a vida de Mariscot pode ser vista no filme “Eu Matei Lúcio Flávio”, de 1979) e pai do seu primeiro filho. Recentemente destacou-se no denso longa de estréia de Selton Mello como diretor, “Feliz Natal” (2008), interpretando Mércia, uma mãe alcoólatra e protetora. Pela excepcional atuação venceu o prêmio de Melhor Atriz nos festivais de cinema do Paraná, Paulínia e Goiânia. No curta-metragem “Ninguém Suporta a Glória” (2004), de Adriano Lírio, são lembrados fragmentos de sua vida camaleônica.

Deusa maior do cinema nacional, a sensual e enigmática ODETE LARA incendiou a imaginação do público desde sua estréia na chanchada “O Gato de Madame” (1956), ao lado de Mazzaropi. Nascida em São Paulo, em 1929, de origem italiana, queria ser dançarina, mas terminou por abraçar a carreira cinematográfica e atuando em mais de trinta filmes. Sinônimo de talento, era capaz de ir do tipo popular vulgar a mulheres sofisticadas. Um dos seus primeiros filmes, o bergmaniano “Na Garganta do Diabo” (1959), de Walter Hugo Khouri, levou-a a uma série de personagens interessantes. Em 1962, seu corpo monumental causou sensação na versão de Nelson Pereira dos Santos para “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues. Repetiu com Khouri no famoso “Noite Vazia” (1964), ao lado de Norma Bengell, como uma dupla de prostitutas de luxo que dois amigos atraem para uma noitada libidinosa. Esteve muito bem em “Copacabana me Engana” (1968) e “A Rainha Diaba” (1974), ambos de Antonio Carlos Fontoura. Como a Irene do primeiro recebeu o Air France e a Coruja de Ouro de Melhor Atriz.  O diretor e cineasta Bruno Barreto transformou-a numa lésbica cantora de rádio, Dulce Veiga, amante de Betty Faria em “A Estrela Sobe” (1974). Fez parte do universo revolucionário do diretor de cinbema  Glauber Rocha em “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1969), premiado em Cannes, e “Câncer” (1968-72). Abandonou o cinema em 1974, ainda no auge, mas voltaria a fazer mais três filmes e a telenovela global “O Dono do Mundo” (1991), de um dos seus admiradores, Gilberto Braga.
Muitos jornalistas, críticos  e estudiosos do cinema, reconhecem Odete Lara como “a maior estrela do cinema nacional”. Norma Bengell e Sonia Braga chegaram perto, mas o título continua pertencendo a formosa protagonista de “Os Herdeiros” (1969). Ela atuou também no teatro, fazendo 15 peças, entre elas, “Se Correr o Bicho Pega se Ficar o Bicho Come”, de Ferreira Gullar e Oduvaldo Vianna Filho, em 1966. Verdadeira lenda viva, teve algum êxito como cantora bossanovista, lançando dois discos e participando de shows. Como Leila e Darlene, mergulhou fundo no prazer sexual e nas drogas, mas abandonou tudo, inclusive o cinema, pelo budismo e temporadas em mosteiros na Índia, Japão e Estados Unidos. “Angústia e ansiedade na minha vida eram uma constante absoluta. Até certo período, eu ainda tinha esperança de que, se obtivesse muito sucesso esta angústia iria se dissolver. Achava que me sentia angustiada por não me achar realizada, entende? Mas aí, quando tive sucesso, vi que ela não passava e pelo contrário, se intensificava. Então procurei dissolvê-la de outra forma, já que não conseguia através da profissão”, desabafou certa vez. Casou-se com artistas talentosos e inteligentes: o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho e o diretor de cinema Antonio Carlos Fontoura. Durante muitos anos recolheu-se em um sítio em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, plantando, escrevendo, lendo e meditando. ‘Eu, Nua”, o primeiro livro de sua autobiografia distribuída em mais duas publicações, deu o que falar. Sua história chegou às telas em “Lara” (2000), com direção de Ana Maria Magalhães.
LEILA DINIZ morreu jovem, DARLENE GLÓRIA e ODETE LARA trocaram a fama pelo anonimato. Porém, a beleza sedutora e os costumes avançados delas jamais foram transgressores.
São aves raras de um tempo em que o cinema brasileiro era um dos melhores do mundo, com o fértil Cinema Novo arrebatando prêmios em festivais internacionais e produzindo atrizes de excelência cinematográfica como Luiza Maranhão, Adriana Prieto, Isabella, Helena Ignêz, Irene Stefânia, Anecy Rocha, Norma Bengell, Lillian Lemmertz, Isabel Ribeiro ou Jacqueline Myrna. Recordá-las é celebrar a arte nacional que ilumina mentes e corações.
E infelizmente passamos por um ostracismo cultural e muitos jovens desta geração, nem sabem o que representaram  estas atrizes para a história dos costumes e comportamento da sociedade brasileira.
Atualmente  vivemos de migalhas cinematográficas, salvo excessões, que fazem  enredos  apelativos que contam a vida de um presidente sindicalista, duplas sertanejas e prostitua que vira sub celebridade.  Enredos que nada fortalecem com unanimidade  a cultura nacional como dramaturgia representativa de uma sociedade.
Como disse no ínico deste texto, não sou saudosita, mas convenhamos passamos por um marasmo cultural neste país , que é desanimador.
Esta pesquisa foi baseada  em informações do  ótimo blog ''O falcão maltês''

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